EROS E PSIQUÊ: O AMOR TRANSFORMADO(R)
Ao ver a obra Vênus de Milo (foto) – Afrodite – lembrei-me do mito de Eros e Psiquê. Principalmente de Psiquê.
Psiquê era uma princesa muito bela e a deusa Afrodite sentiu-se com ciúmes por esse motivo. Assim, ordenou que seu filho Eros, o deus do Amor, servisse de instrumento para puni-la pois uma mortal não poderia ser assim tão bela. Eros, porém, descuidando-se com suas flechas, acabou ferindo-se com uma delas. As flechas de Eros eram usadas com o propósito de fazer as pessoas por elas atingidas se apaixonarem subitamente.
E assim, Eros se apaixonou pela moça a quem deveria destruir por ordem da mãe. Psiquê e Eros se enamoraram e ficaram juntos, mas por má influência das irmãs de Psiquê (com inveja da relação promissora da irmã), a relação se desestruturou pela fraqueza de Psiquê e Eros sentindo-se enfurecido, magoado e traído, rompeu.
Psiquê saiu pelo mundo, em busca do amor perdido, implorando ajuda a todos os deuses, mas nenhum deles quis ajudá-la pois uma mortal não poderia casar-se com um deus.
Somente Afrodite, a deusa do amor, a acolheu, não para ajudá-la, mas para se vingar de Psiquê, que conquistara o coração de Eros. Afrodite chama as suas duas criadas, Inquietação e Tristeza, e entrega-lhes Psiquê para que estas a torturem.
Em seguida exige de Psiquê o cumprimento de quatro tarefas – que Afrodite julgava quase impossíveis de serem realizadas - com a promessa de que após seu correto cumprimento, lhe permitiria reencontrar-se com Eros.
1. Na primeira tarefa, Afrodite ordena a Psiquê que organize uma enorme pilha de sementes misturadas de tal forma que cada uma delas esteja em seu lugar apropriado antes do anoitecer. Desesperada, Psiquê chora muito e suas lágrimas atraem um batalhão de formigas que vêm ajudá-la. Ao final de uma noite inteira, a tarefa foi concluída.
2. A segunda tarefa é retirar flocos de lã de grandes, ferozes e selvagens carneiros que vagueiam as margens de um rio. Ir de encontro aos carneiros seria sua morte. No entanto, o deus Hélio (o sol) refletido nas águas do rio à aconselha: "À noite, os carneiros adormecem". Então Psiquê reflete: poderia colher a lã dos arbustos nos quais os carneiros se esfregaram durante o dia. Assim ela o fez.
3. A terceira tarefa é a de buscar a água da vida num alto penhasco, que desemboca no rio Estige, inacessível. Afrodite entrega a Psiquê um recipiente de cristal que ela deve encher. Essas águas caem do mais alto penhasco de uma montanha e é guardado por perigosos dragões. Mais uma vez, Psiquê se desespera por considerar-se incapaz de realizar essa tarefa impossível. No entanto, Zeus manifesta-se como uma águia, voa até ela, e pousa em um local onde era possível encher o pote.
4. A quarta, última e mais difícil tarefa de Psiquê é a descida aos infernos, um teste pelo qual as pessoas muito raramente aceitam passar: ir direto ao reino de Hades pegar a poção da beleza imortal com Perséfone.
Psiquê foi então, novamente, de encontro à morte, indo se jogar do alto de uma torre acreditando que só assim poderia chegar ao reino dos mortos. Entretanto a Torre informa à Psiquê não apenas onde está a entrada para o reino dos mortos, mas também como deve agir. Além de levar duas moedas na sua boca - uma entregará para o barqueiro na ida e outra na volta - e levar um pedaço de pão em cada mão, que irá oferecer ao cão guardião de três cabeças na entrada e na saída, não poderá ajudar um homem coxo que lhe pedirá ajuda para apanhar a lenha no chão. Ao conseguir a poção, deve retornar imediatamente e NÃO abrir o pote.
A última instrução dada pela torre para Psiquê não foi cumprida: ela abriu o pote por narcisismo e ao encontrar nada, desmaiou, caindo no sono profundo, próprio do reino da morte. Esse erro de Psiquê mobilizou Eros, que o faz sair da passividade do reino materno de Afrodite, devido ao receio de perder para sempre Psiquê. Eros voa até sua amada e a acorda com uma picada de uma de suas flechas. Psiquê, enfim, entrega o pote para Afrodite que a perdoa ao reconhecer seu esforço.
UM OLHAR MAIS PROFUNDO SOBRE AS TAREFAS
O objetivo do mito não é mostrar que o amor romântico tudo vence, pelo contrário.
A lição é mais profunda. Vamos conhecê-la e assim, crescer junto com as tarefas de Psiquê.
1. A primeira tarefa, dos grãos, trouxe a Psiquê a habilidade do discernimento. É preciso confiar em nossa capacidade de selecionar, analisar, avaliar e classificar.
Em uma relação, ao ver o outro com quem nos relacionamos como ele é e não como gostaríamos que fosse, seremos capazes de um amor mais profundo.
Segundo a psicologia analítica, entender onde somos diferente do outro faz com que a relação se torne mais rica. Neste sentido, a primeira tarefa de Psiquê consiste em não ter medo de ressaltar as diferenças entre o par, pois assim podemos aprender a nos separar/diferenciar em prol de uma união complementar e fértil.
Jung, principal nome da psicologia analítica e profundo estudioso da mitologia grega, ressalta que a diferença traz a riqueza para relação. Mais ainda, o conflito que a diferença pode trazer gera a desestruturação do Ego, elemento transformador para nossa alma.
Da mesma forma, precisamos aprender a separar e classificar nossos sentimentos e pensamentos. Quais são os anseios reais de nossos corações? Quais são oriundos de nossa alma, quais são oriundos de influências não positivas?
2. A segunda tarefa, dos flocos de lã dos selvagens carneiros, dá a Psiquê a habilidade da criatividade. Psiquê aprende a examinar situações e a perceber oportunidades mesmo naquilo que aparenta ser difícil. Assim, percebe que a melhor saída nem sempre é o confronto ou a fuga. Com criatividade, novas alternativas se tornam visíveis e uma solução emerge. É preciso superar os padrões que nos mantêm presos às frustrações. Como a psicologia analítica diz, nossas sombras fazem com que conspiremos o universo contra nós mesmos, quando ele está tentando conspirar a nosso favor.
3. A terceira tarefa, do pote de água, nos traz duas reflexões: Psiquê desenvolveu a habilidade de ver uma situação desfavorável com uma visão mais ampla, sistêmica. Como a águia, ela analisou o problema sem focar nos obstáculos mas sim teve uma visão panorâmica que lhe permitiu ver a situação em sua totalidade. Um caminho hábil surgiu a partir daí.
A segunda reflexão diz respeito ao surgimento da águia, em um momento de desespero.
Isso nos remete ao ensinamento: “Pedi, e dar-se-vos-á, buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Porque todo o que pede, recebe; e o que busca, acha; e a quem bate, abrir-se-á”.
Constatação: Psiquê em sua jornada, nunca esteve só.
4. A quarta tarefa foi a ida ao mundo dos mortos e Psiquê pensou em se jogar de uma torre, mas é dissuadida pela mesma torre que lhe mostra o caminho para este plano de forma correta. O que simboliza uma torre?
A torre nos eleva do solo ao céu. É um símbolo para um caminho espiritual, para o alcance de um objetivo maior. A quarta tarefa nos dá a lição do foco, do objetivo a ser alcançado e da necessidade de trazer o espiritual para o mundo físico, seus projetos e para as nossas relações.
Psiquê consegue chegar então ao destino e pega com Perséfone o pote da beleza imortal. Ali, a humanidade de Psiquê fica evidente, pois pelo narcisismo ela se perdeu: ela abriu o pote em busca de mais beleza.
O seu fracasso mobilizou Eros, que antes era volúvel e descompromissado, ir até Psiquê e implorar por sua vida a Zeus.
Zeus vendo Eros, agora amadurecido e sincero, concede seu pedido.
Assim, Eros e Psiquê ficam juntos finalmente.
REFLEXÕES FINAIS
Psiquê significa em grego tanto Alma, quanto Borboleta. As crenças gregas populares concebiam a alma como uma borboleta. Daí o significado simbólico da borboleta como indício de transformação.
Psiquê simboliza o princípio de alma, a qualidade da vida que se transforma.
Os índios nativos norte-americanos dizem que se há borboletas demais por perto, é provável que a pessoa esteja ou vá se defrontar com uma oportunidade para uma profunda transformação. Diz-se que todos nós somos colocados em algum momento em uma situação arquetípica, transformadora e caberá a nós decidir que caminho tomar.
O encontro da Alma (Psiquê), com o Amor (Eros) mudou a todos. Até mesmo Afrodite.
Antes de Psiquê, ou seja, da alma se relacionar com o amor, este reino pertencia somente a Afrodite, que propiciava as uniões pela atração física.
Emmanuel na mensagem Segundo a Carne, diz: “para aquele que vive segunda a carne, em conformidade com impulsos e sensações inferiores, a vida não é mais que uma série de acontecimentos vazios e repetitivos”.
Mas o mito apresenta algo mais...
O Sol, a águia, as formigas que aparecem no mito auxiliando Psiquê, mostram que não estamos sozinhos. Deus, nossos amigos espirituais - parentes que já partiram antes de nós também – e amigos encarnados sempre estarão lá para nos ajudar em nosso trabalho de amadurecimento e aperfeiçoamento de caráter, condições fundamentais para a felicidade neste mundo de causa e efeito que vivemos.
Existem também as irmãs invejosas, simbolizando outras influências – podendo ser parentes, amigos etc. - que nos inspiram pensamentos que não trazem lucidez, nos tiram do bom agir e nos atraem a situações onde podemos cair.
Que as habilidades de discernimento, criatividade, visão mais ampla, foco e conexão espiritual possam ser desenvolvidas.
Todas essas habilidades estão dentro de nós, esperando serem cultivadas no centro de nossa Psiquê (Alma).
Compartilho ao final, a oração recitada por Psiquê:
"Olha sempre para o olhar salvador (do amor), tão contrito e delicado agradece a habilidade celestial de poderes te transformar (para melhor)"
Obrigado por me acompanharem até aqui.
Esperamos que a leitura seja útil e tenha valido a pena.